Saudações, aprendizes! Este é mais um post da série A Queda de Arcádia. Se você ainda não conhece o projeto, clique aqui.
8. O trato
Castelo do Mt Saint Michael, França. Forte inspiração para Pedra das Estrelas |
A noite se encontrava em sua hora mais
escura, mas a festa ainda estava começando no pavilhão dos bastardos
sangrentos. Alguns pavilhões já se encontravam em escuridão total, visto que
muitos cavaleiros precisariam descansar para a justa no dia seguinte.
- Vocês vão
ver amanhã, vou derrubar todos os cães sarnentos deste torneio. - Darl Boca
Suja já estava em seu terceiro grau de bebedeira, quando se tornava invencível.
- Desse jeito
não vai conseguir nem segurar a lança. - Zombou Henrik, que sempre moderava no
vinho. Hoje ele era o motivo de toda aquela bagunça, pois vencera a competição
de arquearia, ficando assim quinze moedas de ouro mais rico.
-Cala essa sua boca, mocinha. Só ganhou porque eu não tava lá. - Entornou mais vinho direto da garrafa. - Vocês vão ver.
Rastler estava a um canto, pensativo. Ainda matutava sobre sua conversa com o rei. Poderia Lucian se voltar contra o irmão? E o que dizer da igreja? Teria a senhora Talyrien enfim reunido força e coragem o suficiente para depor o irmão? Não suspeitava de que Arcádia passasse por este tipo de crise. Sempre vira o tio como um rei imponente e poderoso, visto que em pouco mais de trinta anos de reinado triplicou o território arcadiano, derrotando inimigo após inimigo. A visão do todo poderoso Teobald em sua cadeira de rodas, tossindo e gemendo, lhe atingiu como um soco na boca do estômago.
Rastler estava a um canto, pensativo. Ainda matutava sobre sua conversa com o rei. Poderia Lucian se voltar contra o irmão? E o que dizer da igreja? Teria a senhora Talyrien enfim reunido força e coragem o suficiente para depor o irmão? Não suspeitava de que Arcádia passasse por este tipo de crise. Sempre vira o tio como um rei imponente e poderoso, visto que em pouco mais de trinta anos de reinado triplicou o território arcadiano, derrotando inimigo após inimigo. A visão do todo poderoso Teobald em sua cadeira de rodas, tossindo e gemendo, lhe atingiu como um soco na boca do estômago.
E o que era
pior, seu reino estava desmoronando de dentro para fora.
Deixou os
homens no pavilhão e saiu para a noite, o vinho tomado já começava a lhe pesar
na cabeça. Apesar da escuridão noturna, milhares de estrelas podiam ser vistas.
Pedra das Estrelas fora construída sobre uma imensa formação rochosa que,
segunda a lenda, teria caído do céu e trazido os deuses que fundaram Arcádia.
- Capitão! -
Dois de seus homens chegavam ao pavilhão, trazendo um terceiro arrastado. -
Encontramos esse aí numa taverna, na cidade. Está mais bêbado que o Boca Suja.
Rastler
chegou mais perto, sem entender nada. Olhou o homem desmaiado e só então
compreendeu:
- Este é
Lorde Jonas Granrios. - Pensou por um instante. - Estava sozinho?
- Sim. -
Respondeu-lhe o mais esperto dentre os dois, Lancel, um rapaz que estava com os
bastardos há dois anos.
- Ótimo.
Leve-o para um canto escuro, atrás do nosso pavilhão. Espere por mim lá. - Depois
dirigiu-se ao outro homem. Jeor era um experiente lutador, mas um tanto cabeça
oca. - Entre na tenda e chame Darl e Henrik, diga que eu os aguardo aqui fora.
Depois está dispensado.
Lancel levou
o desmaiado cavaleiro para o local indicado, enquanto Jeor entrou no pavilhão
que fervilhava de gritos e risadas.
Rastler
esperou, ponderando sobre o que viria a seguir. Se cuidarei dos exércitos de
Arcádia em breve, precisarei me preparar desde já. Não confiava em Anton
Granrios, mas não acreditava que os senhores do rio tramariam contra a coroa,
pelo menos não imediatamente. Lembrou-se do tio, que dissera-lhe que um rei
sábio via inimigos em cada sombra.
- Espero que
seja algo importante, Rastler. - Darl vinha reclamando. - Se eu descobrir que você
me tirou da festa por mais uma das suas frescuras, eu te quebro.
Darl sempre
fora rabugento. Juntamente com Rex e Sir Prastan, Darl era um de seus homens de
mais alta confiança, os fundadores da companhia. Potter e Henrik também eram
confiáveis. E mesmo Shayra, estando há pouco mais de um mês com o grupo.
Rastler acreditava na lealdade na guerreira das montanhas.
Levou os dois
até onde Lancel os aguardava. Lorde Jonas estava atirado a um canto.
- Acorde-o. -
Ordenou ao rapaz.
Lancel pegou
um pequeno balde d'água e atirou sobre o bêbado, que despertou de imediato.
- Boa noite,
Lorde Jonas. - Saudou-o Rastler.
- Mas o quê?
- Levou ambas as mãos ao rosto, esfregando os olhos e a barba molhada. Depois
estreitou os olhos na direção do capitão mercenário: - Rastler?
- Levante-se.
- Estendeu a mão. - É inapropriado para o Senhor de Águas Escuras ficar
desmaiando por aí.
- Não
desmaiei aqui. - Aceitou a ajuda e levantou-se. O rosto estava inchado e
vermelho. - Estava numa taverna.
- Sim. Meus
homens encontraram-no lá e o trouxeram até mim. - Zombou um pouco: - Posso
oferecer-lhe uma bebida?
- Claro. Nada
melhor que vinho para tirar gosto de vômito.
- Ótimo.
Lancel, busque algumas garrafas para nós. Lorde Jonas, há alguns assuntos que
gostaria de tratar em especial com o senhor.
Lancel trouxe
as bebidas. Sentaram-se em caixotes e barris, e todos começaram a beber.
Rastler bebia devagar, pois seu objetivo ali estava longe de ficar bêbado.
- Como bem
sabe, meu bom lorde, temos muito em comum. - Falou o capitão, entre um gole e
outro. - Ambos fomos deserdados por nossos pais.
- Não sou
como você. - Rastler gostava de Jonas Granrios por isso. Esse aí fala o que
pensa. - Desobedeci meu pai por amor, e você por covardia.
- Sei,
conheço sua história. – Rastler recomeçou, com o cuidado de deixar transparecer
um pouco de indiferença: - Você recusou o casamento com a filha de Ricardus
Tormen, acarretando a ira de seu pai, que retirou seu direito a herança. Tudo
isso para casar-se com a filha mais nova de Lorde Dalton do Ramonegro. - Fez
uma breve pausa. - Mas os deuses lhe tiraram a esposa e o filho recém nascido.
- Os deuses nada
tiveram a ver com isso. - Cuspiu. Seu rosto enchia-se de rancor. - O povo da
noite tirou-me os dois.
Era verdade.
Águas Escuras fazia fronteira com as terras da noite e, na eterna guerra contra
os povos sombrios do oeste, já sofrera incontáveis e terríveis ataques. O
próprio Dalton do Ramonegro perecera há anos, juntamente com quase toda a sua
linhagem. Como seu filho mais novo ainda não tinha idade para reger a
fortaleza, cabia a Jonas o título provisório de lorde.
- Lamentável,
eu sei. - Pensou bem em como colocar as coisas. Um acordo importante para o
futuro reinado de Ricard estava prestes a ser selado. - Pior do que tudo isso
foi a coroa de Arcana ter lhe virado as costas. - Essa foi bem na ferida.
Com Ricardus Tormen e Anton Granrios ressentidos pela rebeldia do jovem Jonar,
as tropas de reforços marcharam em ritmo lento, e tiveram que praticamente
retomar a cidade, qua há dias já havia sido saqueada. - Meu tio jamais teria
feito isso. E meu primo também não fará.
- Onde está
querendo chegar? - Jonas já estava ficando sem paciência, e um tanto agressivo.
- Se pensa que vim até aqui para reviver minhas próprias tragédias, Rastler,
sugiro que me encontre no pátio de duelos.
- Você não
veio até aqui, Lorde Jonas, foi trazido, lembra-se? - Sorriu maliciosamente. -
Trazido porque era um bêbado desmaiado numa taverna qualquer. Agradeça por ter
sido encontrado por meus homens, e também por terem reconhecido você. Caso
contrário, sua garganta teria sido cortada e seu corpo atirado nu no rio, para
morrer como um indigente. Chamou-me de covarde no início da conversa e, se deve
muito bem recordar, matei Ricardus Tormen na sua frente por qualquer insulto
parecido.
- Está me
ameaçando, então?
- Não, e
asseguro-lhe que nunca foi esta a minha intenção. Resolvi fazer-lhe uma
proposta.
Lorde Jonar tomou
um longo gole de sua própria garrafa, esvaziando-na. Seu silêncio foi a deixa
para Rastler continuar.
- Ricard será
rei em breve, como bem deve saber. E creio que o irmão de sua falecida esposa
logo atingirá a maioridade, podendo assim reger Águas Escuras. Então Arcádia
voltará seus olhos para as terras da noite, e uma guerra como jamais foi vista
antes terá início. Ricard me dará um exército para chutar a bunda de todos
aqueles necromantes e feiticeiros da sombra. A pergunta é: - Sorriu novamente,
e passou sua própria garrafa para as mãos do cavaleiro do rio. - Será um de
meus generais, ou continuará a ser um bêbado sem rumo?
Lorde Jonas ponderou por um momento. Então respondeu:
- Se for para
matar aqueles filhos da puta, então não pararei até que o último esteja morto.
- E recomeçou a beber.
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