domingo, 20 de março de 2016

A Queda de Arcádia - Capítulo 8

Saudações, aprendizes! Este é mais um post da série A Queda de Arcádia. Se você ainda não conhece o projeto, clique aqui.

8. O trato



Castelo do Mt Saint Michael, França. Forte
 inspiração para Pedra das Estrelas
A noite se encontrava em sua hora mais escura, mas a festa ainda estava começando no pavilhão dos bastardos sangrentos. Alguns pavilhões já se encontravam em escuridão total, visto que muitos cavaleiros precisariam descansar para a justa no dia seguinte.
- Vocês vão ver amanhã, vou derrubar todos os cães sarnentos deste torneio. - Darl Boca Suja já estava em seu terceiro grau de bebedeira, quando se tornava invencível.
- Desse jeito não vai conseguir nem segurar a lança. - Zombou Henrik, que sempre moderava no vinho. Hoje ele era o motivo de toda aquela bagunça, pois vencera a competição de arquearia, ficando assim quinze moedas de ouro mais rico.


-Cala essa sua boca, mocinha. Só ganhou porque eu não tava lá. - Entornou mais vinho direto da garrafa. - Vocês vão ver.
Rastler estava a um canto, pensativo. Ainda matutava sobre sua conversa com o rei. Poderia Lucian se voltar contra o irmão? E o que dizer da igreja? Teria a senhora Talyrien enfim reunido força e coragem o suficiente para depor o irmão? Não suspeitava de que Arcádia passasse por este tipo de crise. Sempre vira o tio como um rei imponente e poderoso, visto que em pouco mais de trinta anos de reinado triplicou o território arcadiano, derrotando inimigo após inimigo. A visão do todo poderoso Teobald em sua cadeira de rodas, tossindo e gemendo, lhe atingiu como um soco na boca do estômago.
E o que era pior, seu reino estava desmoronando de dentro para fora.
Deixou os homens no pavilhão e saiu para a noite, o vinho tomado já começava a lhe pesar na cabeça. Apesar da escuridão noturna, milhares de estrelas podiam ser vistas. Pedra das Estrelas fora construída sobre uma imensa formação rochosa que, segunda a lenda, teria caído do céu e trazido os deuses que fundaram Arcádia.
- Capitão! - Dois de seus homens chegavam ao pavilhão, trazendo um terceiro arrastado. - Encontramos esse aí numa taverna, na cidade. Está mais bêbado que o Boca Suja.
Rastler chegou mais perto, sem entender nada. Olhou o homem desmaiado e só então compreendeu:
- Este é Lorde Jonas Granrios. - Pensou por um instante. - Estava sozinho?
- Sim. - Respondeu-lhe o mais esperto dentre os dois, Lancel, um rapaz que estava com os bastardos há dois anos.
- Ótimo. Leve-o para um canto escuro, atrás do nosso pavilhão. Espere por mim lá. - Depois dirigiu-se ao outro homem. Jeor era um experiente lutador, mas um tanto cabeça oca. - Entre na tenda e chame Darl e Henrik, diga que eu os aguardo aqui fora. Depois está dispensado.
Lancel levou o desmaiado cavaleiro para o local indicado, enquanto Jeor entrou no pavilhão que fervilhava de gritos e risadas.
Rastler esperou, ponderando sobre o que viria a seguir. Se cuidarei dos exércitos de Arcádia em breve, precisarei me preparar desde já. Não confiava em Anton Granrios, mas não acreditava que os senhores do rio tramariam contra a coroa, pelo menos não imediatamente. Lembrou-se do tio, que dissera-lhe que um rei sábio via inimigos em cada sombra.
- Espero que seja algo importante, Rastler. - Darl vinha reclamando. - Se eu descobrir que você me tirou da festa por mais uma das suas frescuras, eu te quebro.
Darl sempre fora rabugento. Juntamente com Rex e Sir Prastan, Darl era um de seus homens de mais alta confiança, os fundadores da companhia. Potter e Henrik também eram confiáveis. E mesmo Shayra, estando há pouco mais de um mês com o grupo. Rastler acreditava na lealdade na guerreira das montanhas.
Levou os dois até onde Lancel os aguardava. Lorde Jonas estava atirado a um canto.
- Acorde-o. - Ordenou ao rapaz.
Lancel pegou um pequeno balde d'água e atirou sobre o bêbado, que despertou de imediato.
- Boa noite, Lorde Jonas. - Saudou-o Rastler.
- Mas o quê? - Levou ambas as mãos ao rosto, esfregando os olhos e a barba molhada. Depois estreitou os olhos na direção do capitão mercenário: - Rastler?
- Levante-se. - Estendeu a mão. - É inapropriado para o Senhor de Águas Escuras ficar desmaiando por aí.
- Não desmaiei aqui. - Aceitou a ajuda e levantou-se. O rosto estava inchado e vermelho. - Estava numa taverna.
- Sim. Meus homens encontraram-no lá e o trouxeram até mim. - Zombou um pouco: - Posso oferecer-lhe uma bebida?
- Claro. Nada melhor que vinho para tirar gosto de vômito.
- Ótimo. Lancel, busque algumas garrafas para nós. Lorde Jonas, há alguns assuntos que gostaria de tratar em especial com o senhor.
Lancel trouxe as bebidas. Sentaram-se em caixotes e barris, e todos começaram a beber. Rastler bebia devagar, pois seu objetivo ali estava longe de ficar bêbado.
- Como bem sabe, meu bom lorde, temos muito em comum. - Falou o capitão, entre um gole e outro. - Ambos fomos deserdados por nossos pais.
- Não sou como você. - Rastler gostava de Jonas Granrios por isso. Esse aí fala o que pensa. - Desobedeci meu pai por amor, e você por covardia.
- Sei, conheço sua história. – Rastler recomeçou, com o cuidado de deixar transparecer um pouco de indiferença: - Você recusou o casamento com a filha de Ricardus Tormen, acarretando a ira de seu pai, que retirou seu direito a herança. Tudo isso para casar-se com a filha mais nova de Lorde Dalton do Ramonegro. - Fez uma breve pausa. - Mas os deuses lhe tiraram a esposa e o filho recém nascido.
- Os deuses nada tiveram a ver com isso. - Cuspiu. Seu rosto enchia-se de rancor. - O povo da noite tirou-me os dois.
Era verdade. Águas Escuras fazia fronteira com as terras da noite e, na eterna guerra contra os povos sombrios do oeste, já sofrera incontáveis e terríveis ataques. O próprio Dalton do Ramonegro perecera há anos, juntamente com quase toda a sua linhagem. Como seu filho mais novo ainda não tinha idade para reger a fortaleza, cabia a Jonas o título provisório de lorde.
- Lamentável, eu sei. - Pensou bem em como colocar as coisas. Um acordo importante para o futuro reinado de Ricard estava prestes a ser selado. - Pior do que tudo isso foi a coroa de Arcana ter lhe virado as costas. - Essa foi bem na ferida. Com Ricardus Tormen e Anton Granrios ressentidos pela rebeldia do jovem Jonar, as tropas de reforços marcharam em ritmo lento, e tiveram que praticamente retomar a cidade, qua há dias já havia sido saqueada. - Meu tio jamais teria feito isso. E meu primo também não fará.
- Onde está querendo chegar? - Jonas já estava ficando sem paciência, e um tanto agressivo. - Se pensa que vim até aqui para reviver minhas próprias tragédias, Rastler, sugiro que me encontre no pátio de duelos.
- Você não veio até aqui, Lorde Jonas, foi trazido, lembra-se? - Sorriu maliciosamente. - Trazido porque era um bêbado desmaiado numa taverna qualquer. Agradeça por ter sido encontrado por meus homens, e também por terem reconhecido você. Caso contrário, sua garganta teria sido cortada e seu corpo atirado nu no rio, para morrer como um indigente. Chamou-me de covarde no início da conversa e, se deve muito bem recordar, matei Ricardus Tormen na sua frente por qualquer insulto parecido.
- Está me ameaçando, então?
- Não, e asseguro-lhe que nunca foi esta a minha intenção. Resolvi fazer-lhe uma proposta.
Lorde Jonar tomou um longo gole de sua própria garrafa, esvaziando-na. Seu silêncio foi a deixa para Rastler continuar.
- Ricard será rei em breve, como bem deve saber. E creio que o irmão de sua falecida esposa logo atingirá a maioridade, podendo assim reger Águas Escuras. Então Arcádia voltará seus olhos para as terras da noite, e uma guerra como jamais foi vista antes terá início. Ricard me dará um exército para chutar a bunda de todos aqueles necromantes e feiticeiros da sombra. A pergunta é: - Sorriu novamente, e passou sua própria garrafa para as mãos do cavaleiro do rio. - Será um de meus generais, ou continuará a ser um bêbado sem rumo?
Lorde Jonas ponderou por um momento. Então respondeu:
- Se for para matar aqueles filhos da puta, então não pararei até que o último esteja morto. - E recomeçou a beber.



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